top of page

Saruê, o “gambá brasileiro”: animal inofensivo que aparece mais no outono é vítima de preconceito

Com a chegada do outono, os saruês se tornam mais frequentes nas áreas urbanas em busca de alimento para seus filhotes, mas ainda sofrem com estigmas injustos, mesmo sendo aliados no controle de pragas.


O gambá-de-orelha-preta é uma espécie comum na Mata Atlântica | Foto: Canva
O gambá-de-orelha-preta é uma espécie comum na Mata Atlântica | Foto: Canva

Com a queda das temperaturas e o início do outono, os saruês — também conhecidos como gambás-de-orelha-branca — passam a ser mais vistos em regiões urbanas. Isso ocorre porque as fêmeas, ainda em fase de amamentação dos filhotes nascidos entre a primavera e o verão, precisam de mais alimento. Apesar de sua contribuição importante no controle de pragas urbanas, o animal segue sendo mal compreendido e muitas vezes atacado injustamente.


Todos os anos, a Liga Acadêmica de Animais Selvagens da Universidade de Vassouras (RJ) divulga alertas à população sobre o crescimento natural da presença desses animais nas cidades durante o outono. A orientação principal é evitar qualquer tipo de agressão e manter atitudes que não prejudiquem o ciclo de vida da espécie. Campanhas educativas reforçam o reconhecimento do comportamento do saruê e estimulam atitudes empáticas e seguras.


Em uma dessas iniciativas, uma publicação escrita em tom descontraído, como se fosse o próprio saruê falando, viralizou nas redes sociais. A mensagem pedia respeito e compreensão: “Tenho filhotes e preciso buscar comida; não me ataque, pois estou ajudando a eliminar vermes do seu caminho”. O post ganhou força e foi compartilhado por perfis voltados à fauna nativa e à educação ambiental.



Com linguagem leve e bem-humorada, o conteúdo busca desfazer mitos e informar: “Sou marsupial, não roedor. Tenho parentesco com coalas e cangurus. Escorpiões e carrapatos são como batatas fritas para mim”. O texto ainda enfatiza: “Não represento perigo; fujo sempre, pois morro de medo”.



O verdadeiro gambá do Brasil


Chamado popularmente de “gambá brasileiro”, o saruê é o único marsupial encontrado nas Américas, sendo um parente distante de espécies típicas da Oceania. “Atualmente, reconhecemos duas espécies principais em território brasileiro. Ao contrário do que muitos acreditam, eles não são roedores. As fêmeas possuem uma bolsa abdominal onde carregam seus filhotes até que estejam prontos para sair”, explica Álvaro Alberto Passos, médico-veterinário e especialista em fauna silvestre da Universidade de Vassouras.


De hábitos onívoros, os saruês se alimentam do que estiver ao alcance: insetos, frutas, pequenos animais, verduras, restos de comida e até ração de pets deixada ao ar livre. “Eles têm um cardápio bem variado e aproveitam qualquer oportunidade para se alimentar”, afirma o professor.


O saruê conhecido como gambá-de-orelha-branca é a espécie mais comum no continente brasileiro | Foto: Reprodução/Wikipedia
O saruê conhecido como gambá-de-orelha-branca é a espécie mais comum no continente brasileiro | Foto: Reprodução/Wikipedia

Esses animais integram o grupo dos gambás americanos, presentes em quase toda a América — do Canadá ao sul da Argentina. No Brasil, são catalogadas ao menos quatro espécies: a mais comum nas cidades é o gambá-de-orelha-branca (Didelphis albiventris), presente em grande parte do país. Outras espécies incluem o gambá-de-orelha-preta (Didelphis aurita), característico da Mata Atlântica; o Didelphis marsupialis, mais frequente na Amazônia; e o Didelphis imperfecta, que vive em regiões do extremo norte brasileiro.


A adaptação aos centros urbanos é uma resposta à perda de habitat e à busca por recursos. “Eles estão se habituando ao meio urbano por pura necessidade de sobrevivência”, explica Passos.


A reprodução acontece o ano todo, com picos na primavera e no verão, quando há maior abundância de alimento e clima favorável para o desenvolvimento dos filhotes. Segundo dados do ICMBio e estudos especializados em mamíferos, os nascimentos são contínuos, mas as aparições no outono se intensificam por conta da necessidade alimentar das mães que ainda carregam os filhotes no marsúpio — e não por um aumento das gestações nesta época.



Não soltam gás — e não são perigosos


Ao contrário do que muitos pensam, o saruê não libera gás fétido como o gambá norte-americano. Quando ameaçado, pode urinar e liberar um odor forte, mas que não é tóxico nem representa risco à saúde humana.


A convivência pacífica com esses animais depende de medidas simples, como recolher restos de comida à noite, guardar ração de pets e manter churrasqueiras limpas. Lixeiras expostas e resíduos de carne são atrativos fáceis para o animal em busca de alimentação.

Mesmo com sua aparência peculiar, o saruê é dócil e evita o contato com pessoas. “Nunca presenciei um caso de ataque de saruê. Quando se sentem ameaçados, eles fogem ou se fingem de mortos como forma de defesa”, observa Passos. Durante o dia, sua visão limitada também o torna mais cauteloso.


Apesar disso, muitos ainda os atacam por medo ou desinformação. “É crime capturar, perseguir ou matar qualquer animal silvestre”, alerta o veterinário. Em caso de ferimento ou se o animal estiver preso, o indicado é entrar em contato com o Corpo de Bombeiros, a Defesa Civil ou a Guarda Civil Metropolitana pelo número 153.


A conscientização ambiental é considerada uma ferramenta essencial para a preservação. “Esses animais ainda sofrem com mitos absurdos e sem qualquer base científica. Mas vejo esperança: as novas gerações estão mais bem informadas e abertas a dialogar com a natureza”, finaliza Álvaro Passos.

Comments


Compartilhe:

Compartilhar:

bottom of page