Remanescentes de medicamentos: uma ameaça invisível à natureza e ao nosso bem-estar

Entenda como fármacos descartados de forma inadequada poluem o meio ambiente e colocam em risco a saúde humana e animal.

Ameaça Silenciosa: Remanescentes de Medicamentos no Meio Ambiente

A presença de resíduos farmacêuticos em sistemas de esgoto tem sido alvo de investigações e acompanhamento por aproximadamente cinco décadas. Com o avanço de novas tecnologias e equipamentos capazes de identificar e analisar moléculas com alta precisão, tornou-se viável mapear as implicações desse tipo de poluição e os perigos que representa para o ecossistema.

Pesquisas recentes demonstram que o impacto da existência de traços de contraceptivos, antibióticos, antidepressivos, analgésicos e outras substâncias químicas no ambiente natural se estende por diversas partes do globo.

A origem dessa contaminação, decorrente do descarte de medicamentos na natureza, é multifacetada, conforme elucida o renomado especialista francês Yves Lévi, professor da Faculdade de Farmácia da Universidade Paris-Saclay e membro da Academia Nacional de Medicina e da Academia de Tecnologias.

'Houve alguns episódios no passado, protagonizados por grandes indústrias. Descobrimos que elas despejavam grandes quantidades de medicamentos no meio ambiente, o que ainda ocorre em vários países', salienta. Contudo, a contaminação também advém do uso diário dessas moléculas, conforme pontua o perito. 'Quando ficamos doentes, tomamos um medicamento e vamos ao banheiro, o eliminamos e ele acaba no esgoto, passando por todo o sistema de saneamento', explica.

A questão da biodegradabilidade dos produtos sempre foi secundária, em comparação com outras prioridades. Quando cientistas descobrem uma molécula eficaz contra uma enfermidade, 'o mais importante é que ela possa tratar o paciente', enfatiza Lévi. 'O ideal é que, graças à química moderna, possamos fazer com que essa substância se degrade mais facilmente. Mas essa questão nunca esteve entre as principais preocupações dos pesquisadores. Espero que, aos poucos, isso esteja mudando.'

Ao longo dos últimos quinze anos, diversas análises foram conduzidas em estações de tratamento de esgoto na França, indicando que, após o processo de purificação, entre 80% e 90% da maioria dos remanescentes de fármacos são eliminados. 'Quando as estações de tratamento de água potável atuam sobre os poluentes, ficam apenas traços ínfimos na água', assegura.

Acúmulo de Poluentes: O Exposoma

A principal preocupação, de acordo com Lévi, reside no perigo potencial do acúmulo de substâncias nocivas, fenômeno conhecido como exposoma, que abrange o conjunto de todas as exposições ambientais capazes de atuar como gatilho para indivíduos geneticamente predispostos a desenvolver certas doenças. 'São todos os poluentes ao nosso redor, produzidos pela química moderna, que geram essas consequências', explica.

Esses desdobramentos, ele afirma, variam conforme a molécula. Na maioria dos casos, quanto maior a dosagem, mais significativo será o impacto. Contudo, o especialista francês adverte que mesmo pequenas quantidades de resíduos medicamentosos podem gerar efeitos prejudiciais. Os desreguladores endócrinos, por exemplo, são capazes de causar danos graves a longo prazo, mesmo em concentrações muito reduzidas. Ele recorda que algumas substâncias, como os antibióticos, incidem primariamente sobre micro-organismos, o que pode resultar no aumento da população bacteriana em culturas agrícolas. Outros produtos, menciona, afetam predominantemente insetos ou espécimes aquáticos.

Em qualquer cenário, o especialista afirma que o risco e os efeitos associados ao descarte desses remanescentes devem ser continuamente investigados e monitorados. 'Alguns dirão que as concentrações são baixas e que o debate é inútil. Mas podemos observar os efeitos nos animais e na natureza. Outros dirão que é uma catástrofe e que todos vamos morrer, o que também é um extremo inaceitável. Precisamos ser capazes de fazer uma análise de risco, dependendo do caso, de acordo com o tipo de molécula.'

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