Explosão de leões domesticados na Tailândia levanta alertas sobre bem-estar animal
- Patrick Araujo
- 31 de jul.
- 4 min de leitura
Com mais de 500 felinos em cativeiro em casas, zoológicos e cafés, especialistas alertam para os riscos do comércio e da criação desenfreada

Atrás de sua garagem, em uma rua comum de Chiang Mai, no norte da Tailândia, Tharnuwarht Plengkemratch cria como animais de estimação duas leoas brancas e um cruzamento entre leão e tigre de 200 kg chamado “Big George”. Na Tailândia, a legislação permite que civis mantenham o “rei da selva” sob custódia. De sua cidade natal, Tharnuwarht publica vídeos no TikTok mostrando a rotina dos três felinos, que, segundo ele, “são brincalhões e afetuosos”.
“Quero mostrar que os leões podem se dar bem com os humanos”, afirma ele, embora suas interações com Big George, realizadas com cautela dentro do cercado, durem apenas alguns minutos.
Nos últimos anos, a quantidade de leões mantidos em confinamento aumentou de forma expressiva no país asiático, totalizando mais de 500 animais registrados em zoológicos, fazendas de reprodução, residências privadas e cafés temáticos. Essa proliferação acende o sinal de alerta entre especialistas, que apontam riscos tanto para os animais quanto para as pessoas envolvidas, especialmente em um contexto de tráfico ilegal de espécies. Para Tom Taylor, diretor da Wildlife Friends of Thailand (WFFT), as redes sociais são um dos principais catalisadores dessa tendência.
“É completamente insano. Dá medo imaginar o cenário daqui a uma década se não houver mudanças na legislação”, destaca.
Desde 2022, os donos desses animais são obrigados a registrar oficialmente seus leões, inserir microchips e notificar as autoridades caso mudem de endereço.

Tráfico fora de controle
No entanto, a atual regulamentação não impõe limites quanto à reprodução ou cruzamentos entre espécies, e as normas para manutenção dos recintos são extremamente básicas. Enquanto o nascimento de tigres em cativeiro precisa ser comunicado em até 24 horas, no caso dos leões, o prazo legal é de 60 dias.
“É um intervalo enorme. Em 60 dias, dá para fazer muita coisa com uma ninhada de filhotes”, alerta Taylor.
Segundo ele, o número de leões confinados saltou de aproximadamente 130 em 2018 para 450 em 2024, conforme dados coletados em redes sociais e visitas de campo. Outros 350 grandes felinos deixaram de aparecer em registros públicos por mais de um ano, o que pode indicar mortes ocultas, sumiço da vida pública ou, pior, comércio clandestino.
“Conversamos com pessoas do setor que nos deram preços de leões vivos e abatidos, e relataram conseguir esses animais em pontos de fronteira”, explica.
Diversos especialistas ouvidos pela AFP sob anonimato confirmaram evidências robustas de tráfico de leões e partes de seus corpos. Uma dessas criadoras é Pathamawadee Janpithak, de 32 anos, que começou criando jacarés, mas migrou para o mercado de leões após a queda no valor dos répteis. Atualmente, ela vende filhotes com um mês de vida por cerca de 500 mil bahts (cerca de R$ 83,8 mil). No auge, o preço chegou a US$ 25 mil (cerca de R$ 139 mil), mas o aumento da oferta reduziu o valor.
Leões em confinamento consomem cerca de 2 kg de frango por dia e podem reproduzir de duas a seis crias uma ou duas vezes ao ano. Pathamawadee mantém cerca de 80 felinos em três propriedades na província de Chachoengsao, incluindo um macho adulto de nove anos e dois filhotes debilitados com apenas oito dias de vida, alimentados com mamadeira.

Popularidade e riscos
Esses leões têm pelagem branca devido a uma mutação genética rara. Embora sejam erroneamente considerados uma subespécie ameaçada de extinção, os leões brancos se tornaram muito requisitados na Tailândia. No entanto, a escassez de indivíduos aumenta o risco de cruzamentos consanguíneos e doenças genéticas. Além disso, está cada vez mais difícil encontrar compradores dispostos a seguir a legislação, lamenta Pathamawadee.
“Antes, as pessoas investiam e lucravam muito. Hoje em dia, está tudo mais complicado”, comenta.
Ela afirma vender cerca da metade dos 90 filhotes que nascem anualmente em sua criação, principalmente para outros criadores interessados em montar “cafés de leões”, onde os visitantes podem acariciar e tirar fotos com os animais. Próximo a Chiang Mai, um desses estabelecimentos permitiu que um treinador acordasse um filhote para entreter turistas chineses. A AFP teve acesso às imagens, mas todos os cafés abordados recusaram pedidos de entrevista.
Pathamawadee diz que não vende mais para esses cafés, alegando que os filhotes são descartados quando crescem e se tornam menos atrativos. Ela afirma já ter resgatado leões em estado de trauma e com incapacidade de reprodução.
O crescimento da população de grandes felinos preocupa a Agência de Parques Nacionais e Conservação da Vida Selvagem da Tailândia (DNP), conforme reconhece Sadudee Punpugdee, diretor do órgão responsável pela preservação da fauna.
Alto custo e pouca fiscalização
Atualmente, as autoridades tentam conter novas importações para forçar os criadores a administrar a população existente. No entanto, a sobrecarga de trabalho e os altos custos tornam difícil a fiscalização efetiva, afirma Penthai Siriwat, da WWF Tailândia.
“Há muita hesitação antes de qualquer intervenção, considerando o custo elevado envolvido”, pontua.
Embora tutores como Tharnuwarht aleguem preocupações com a conservação, especialistas alertam que os leões africanos criados em cativeiro jamais retornarão à natureza. Dois desses animais, Khanom e Khanun, ambos com dois anos, foram transferidos para um santuário administrado pelo DNP em Suphanburi, após serem apreendidos. Espera-se que vivam pelo menos mais dez anos, exigindo cuidados constantes, alimentação específica e acompanhamento veterinário.
“O bem-estar físico e emocional desses animais deve estar sempre em primeiro lugar”, conclui o veterinário responsável pela unidade, Natanon Panpeth.
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