De padroeiro das crianças a símbolo de heresia: 'cão santo' levou Igreja a tomar decisão drástica; entenda
- Redação Pet Mania
- 28 de mar.
- 3 min de leitura
Popularidade do galgo Saint Guinefort era tanta que motivou repressão da Igreja Católica

A devoção nem sempre conhece as teologias e as razões. Prova disto é a figura incomum de Saint Guinefort, ou Santo Guinefort, um cachorro cultuado por quase 600 anos como padroeiro das crianças na região de Châtillon-sur-Chalaronne, na França. Ele também tinha um dia de festa, comemorado em 22 de agosto, e um santuário onde as mães do vilarejo se prostravam para rezar pela rápida cura de seus filhos. Mas, conforme a sua fama crescia, a Igreja Católica logo reprimiu sua veneração, e o que era tradição se perdeu ao longo dos anos.
Na última edição do Martirológio Romano, o catálogo dos beatos da Igreja, publicado durante o papado de João Paulo II, a Santa Sé reconhece cerca de 7.000 nomes. Embora não inclua uma divisão por gênero, estima-se que 70% destes são homens e 30% mulheres. Entende-se que todos eram humanos, sem exceções. A explicação está na própria Bíblia: os seres humanos teriam sido os únicos criados à imagem e semelhança de Deus. Portanto, somente eles possuem almas imortais.
A lenda de Saint Guinefort
A lenda local conta que Guinefort era o galgo de um cavaleiro que vivia num castelo perto de Lyon. Um dia, o homem saiu para caçar na floresta e deixou seu bebê recém-nascido sob os cuidados de seu fiel cão. Quando voltou, encontrou uma cena assustadora: o berço revirado no chão, sem nenhum vestígio da criança. Com o focinho coberto de sangue, o animal viu seu mestre chegar e se aproximou alegremente para cumprimentá-lo. Para o cavaleiro, não havia dúvida: o animal havia devorado seu filho. Cego de raiva, ele matou o cão. Mais tarde, o homem ouviu o choro de seu bebê, que encontrou atrás do berço ao lado do cadáver de uma cobra venenosa.
Arrependido de seu erro, o cavaleiro colocou o corpo de Guinefort em um poço, cobriu-o com pedras e plantou árvores ao redor. Algumas versões indicam que, como punição divina, seu castelo desmoronou e o cavaleiro perdeu tudo. No lugar onde o cão foi enterrado, nasceu um santo popular e um santuário ao qual as pessoas da região podiam ir em seus momentos de maior necessidade.

A popularidade de Saint Guinefort era tanta que a Igreja decidiu enviar o inquisidor dominicano Esteban de Bourbon à França para investigar o fenômeno. Com o apoio da Diocese de Lyon, a autoridade ordenou a destruição dos ossos do cão e do santuário dedicado à sua memória. Ele também proibiu sua veneração sob pena de excomunhão.
A ameaça do frade, contudo, não funcionou de imediato. Muitos camponeses locais continuaram a ir até a floresta entregar a saúde de seus filhos ao canino "abençoado". Paradoxalmente, o que Bourbon tentou apagar só sobreviveu graças ao seu relato sobre Saint Guinefort, no Tractatus de diversis materiis predicabilibus.
Com o passar do tempo, o culto a Saint Guinefort começou a desaparecer. No início do século XX, ele havia se tornado pouco mais do que uma superstição. Acredita-se que a última vez que alguém adorou o cão nos arredores de Lyon foi no final da década de 1930, pouco antes da Segunda Guerra Mundial.
Em 2015, o Papa Francisco publicou a encíclica Laudato si. Por lá, o Santo Padre afirmou que “a vida eterna será uma maravilha compartilhada, onde cada criatura, luminosamente transformada, tomará seu lugar e terá algo a contribuir para os pobres que são definitivamente libertados”. “Toda criatura”, escreveu o pontífice argentino. Não apenas os humanos. É verdade que um cachorro não pode ser canonizado. Agora, pelo menos, ele tem direito a um lugar no céu.
Fonte: O Globo
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